terça-feira, 23 de junho de 2020

Pedro Lima

Não posso dizer que esta sensação é novidade para mim...
Desde pequena que algumas mortes ficaram na minha memória e me afectaram durante dias, meses... a maior delas, devo dizer, foi a Daniela Perez.
No caso dela, tinha tudo para me afectar - uma rapariga bonita, jovem, que dançava lindamente, actriz, tudo o que eu sonhava ter/ser quando crescesse.
Ela foi assassinada aos 22 anos, de uma forma desumana e brutal. Eu era uma criança nessa altura, penso que com 13 anos...
Ainda passava na televisão a telenovela onde ela participava com aquele que viria a ser o assassino e eu alimentei isso, vi-a todos os dias na televisão, gravava em vídeo, via as cenas dela vezes sem conta... alterei até o nome do meu diário para "Dani", o nome pelo qual ela era chamada. Foi tao intenso que, se fechar os meus olhos, ainda consigo ver hoje, anos depois, as mensagens dos colegas dela da novela, e lembro-me da música de fundo. Foi passando com o tempo e com o meu crescimento mas sempre que penso nisto o nó da garganta está cá... pensar que aquele monstro já está cá fora, a fazer a vida dele como se nada tivesse acontecido, com mulher e filhos, enquanto uma vida foi tirada de uma forma que uma pessoa normal e humana nunca poderia fazer. Não há redenção possível para isto, é apenas e só uma injustiça, um erro de todo o tamanho. 
Agora, já com 40 anos, idade que infelizmente a Dani nunca chegou a ter, eu sou obviamente uma sortuda. Porque, apesar de nao ter seguido nem tentado sequer seguir nenhum dos meus sonhos de adolescente, quer na dança, quer na representação, encontrei nos estudos uma área que me satisfaz e onde me sinto feliz. Não sei se é conformismo mas é o que sinto. Lembro-me de há uns anos ir com a minha chefe da altura ver a irmã bailarina a dançar num bailado. O meu primeiro pensamento a vê-la no palco foi: "esta sim deve ser feliz, está ali mesmo a fazer o que ama, solta, livre". Dançar sempre me fez feliz, ainda que só em discotecas, era uma sensação diferente, única. Os números onde vivo diariamente não me dão essa sensação é claro, mas também não me angustiam. Gosto de fazer coisas onde me sinto confortável, onde sinto que tenho algum domínio. Provavelmente nunca teria sido feliz numa profissão que me estivesse sempre a colocar à prova, ainda que quando a superasse, a sensação pudesse ser transcendente. 
Sou sortuda porque consegui ter tudo o que eu imaginava que me iria fazer feliz - filhos, namorado, uma casa linda construída de raiz, e dinheiro para pequenos caprichos que me fazem sentir bem. Não sou pessoa de precisar de grandes viagens nem grandes carros, nem grandes telemóveis. Sou mais pessoa de gastar o meu dinheiro com coisas para casa, que me façam gostar de estar aqui 365 dias em vez de gastar tudo numas férias de 2 semanas. Por isso tenho netflix, alexas com subscrição de musica online, descobri agora a passionflix, compro varios livros, também jogo de vez em quando, tento ter à minha disposição (e por felizmente tenho algum dinheiro que o permite) tudo o que me faça querer estar comigo, em casa.
Penso que foi por isso que a quarentena foi tão tranquila por aqui. Tenho amigos, gosto de estar com amigos, mas muito francamente, o que eu gosto mais é de estar comigo. E penso que nem todos sentirão o mesmo. E é isto que me fez pensar quando soube do Pedro Lima.
O Pedro Lima, juntamente com o Diogo Infante, Nuno Lopes, Ricardo Pereira e Fernanda Serrano, são os actores portugueses que me dizem mais, por motivos completamente diferentes. O Pedro Lima quando apareceu, era conhecido por ser nadador profissional do Sporting. Eu tinha uma amiga na altura que o via nos treinos e claro, miúdas como eramos, referiamos o facto dele ser maravilhosamente bonito (é normal sendo adolescentes). Depois cheguei a vê-lo um par de vezes na Guerra Junqueiro, no cinema Londres e isso acabou por fazer com que o nome "Pedro Lima" ficasse sempre registado em mim. Eu deixei de ver novelas assim que saí de casa dos meus pais e perdi por isso a maior parte das telenovelas onde terá participado. Mas nas redes sociais, nas revistas, a imagem que tinha dele era de um homem lindo, que também tinha conseguido tudo na vida dele - uma profissão que desejava, uma mulher que amava e 5 filhos saudáveis, um desportista, uma pessoa sempre alegre.
Quando vi a notícia no meu telemóvel, chorei. Não que isso seja novidade em mim. Penso que devo ser a pessoa mais empática que alguma vez conheci. Sinto-me até estranha ao pé dos outros por isso mesmo. Sofro sempre pelos outros, estou sempre a colocar-me no lugar dos outros e isso faz-me sofrer muito também, mesmo quando os problemas não são meus. Acho que, se estivesse de fora e me conhecesse, até acharia que eu seria apenas uma pessoa com a mania e a tentar aproveitar a dor dos outros para que sentissem pena dela. Mas não é assim, tanto que só estou a escrever isto aqui, atras de um computador, onde ninguem me conhece. Evito falar destas coisas e destas sensações até às pessoas mais proximas de mim.
Na primeira altura (e na segunda e ate na terceira...) nunca me passou suicídio pela cabeça, pensei sempre num acidente de surf nas rochas. Eu não o conhecia e portanto qualquer opinião que eu desenhe na mnh cabeça não é baseada em nada mais que a minha própria visão das coisas (e que não é igual para todos nós) e nas coisas que saíam a público.
Ha quem fale de problemas financeiros e acredito que, em muitos casos e principalmente com filhos, isso seja de facto um problema que leva a preocupações e a ansiedades enormes. No entanto, não é expectável que só isso condicionasse um desfecho tão triste e brutal. Pode especular-se à vontade mas a verdade é que ele estava no momento a trabalhar. Tinha estado parado, como aliás todos, mas estava a trabalhar. Ser actor não é uma profissão estavel a não ser que se seja mesmo fenomenal, mas tambem nunca o foi. Alguns actores nem contratos de exclusividade têm por isso acho estranho que, mesmo a existir preocupação (como faz sentido existir neste momento a qualquer um de nós) isso tenha condicionado tudo. 
Tentamos no nosso mundinho então encontrar outras razões. Talvez não fosse feliz... mas depois vemos sempre aquele sorriso, todos que conviviam com ele dizerem que amava profundamente a mulher, que venerava os filhos, que vivia para a familia. E é aqui que o nosso coração e a nossa cabeça faz tilt. Mas como é que alguém que era feliz, que adorava a familia, que tinha trabalho, prefere desistir e acabar com tudo o que conhece?
Surge então a palavrinha "depressão". Parece uma palavrinha nova mas não.
Eu cresci a ouvir a minha mãe, que sempre trabalhou muito na vida, dizer que depressão é para pessoas que têm muito tempo para pensar e que não fazem nada na vida. E esta frase sempre me fez muito sentido. Ainda hoje penso que existe alguma razão nelas - se não temos tempo para parar, para pensar na nossa vida, é verdade que também não nos questionamos, vivemos em modo automático. E isso pode "adiar" o encontro connosco próprios.
Aliás, devo dizer que anos depois, penso que a minha mãe está no momento com uma depressão. Agora que a vida está mais calma, de repente oiço-a falar amargurada dos ultimos 40 anos de vida, o quanto sente que foi enganada pelos outros etc. Mas para mim, ela foi enganada por ela própria. Porque preferiu viver vendada, em modo automático e sem nunca parar para se conhecer, para se ouvir... 
Mas custa mais perceber o que poderá desencadear uma depressão em alguém que aparentemente tem tudo. Baixa auto-estima? O Pedro chegou a dizer isso numa entrevista... o que quer dizer isso? Eu sempre tive baixa auto-estima, porque passei por algum bullying na escola (caixa de oculos, mamalhuda, boca de aço...enfim) que me marcou e influenciou para sempre, mas felizmente comecei a gostar de mim psicologicamente e isso equilibrou a maneira como me vejo... se o problema do Pedro não poderia ser o fisico, seria o psicológico? Será que ele não gostava dele próprio? Penso que poderia ser isso... se ele era tao exigente consigo próprio isto poderia deixa-lo sempre angustiado por nunca atingir o que achava ser os mínimos. Tentar agradar os outros é dificil mas tentar agradar nós próprios pode ser muito pior.... 
Por outro lado a depressão é algo quimico. Se nos doi a perna, o estomago, qualquer outra parte de nós, vamos ao médico e tratamos. Porque é que no caso do cerebro achamos que e diferente?
É natural procurar encontrar razões para nos acalmar a dor... mas esta dor não acaba e não diminuirá para a familia. Penso muito na mulher dele e nos filhos. A filha mais nova dele pouco mais anos terá do que a minha. Desde esse dia que sempre que abraço a minha me lembro que a pequenina não terá mais o abraço do pai que a amava. Espero que aquela mãe consiga superar a dor dela para conseguir ajudar tambem os filhos a lidar com algo que parece impossivel de ultrapassar...
Não podemos ignorar os nossos sentimentos, não podemos fingir que não temos necessidades, temos de nos ouvir e temos de ir ao médico sempre que necessário para tratar qualquer orgão, zona do nosso corpo, que doa. E tal como outras dores, não podemos demorar demais a ir... como se diz, quando o rastreio é mais cedo, mais possibilidades existem para a cura...



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